Era mentira. Minha mãe não ligaria se demorasse mais um pouco. Eu não tinha nada para fazer. Ela foi embora e eu nem sei se lembrei do nome dela por mais de um dia. O que lembro é de ter repassado essa cena centenas de vezes na minha cabeça; de não conseguir entender o porquê de eu ter recusado. A garota passou a ser um símbolo do que poderia ter sido, de um futuro brilhante que perdi com uma só frase. Aquela tarde seria a melhor da minha vida. Ela teria me apresentado para todos seus amigos. Nós passaríamos tardes preguiçosas andando de bicicleta e tomando picolés. Conheceria o meu primeiro namorado. Teria o meu primeiro beijo embaixo de uma árvore. Eu seria outra Ananda, uma Ananda melhor. Até minha acne desapareceria.
Minha infância foi cheia desses momentos que, para a minha cabeça mezzo perturbada, definiram quem eu sou. Se tivesse cruzado a rua antes de me mudar ainda teria o mesmo grupo de amigas da quarta série. Estaria casada se tivesse beijado o garoto certo. Seria mais alta se tivesse ido para uma festa. Seria qualquer outra pessoa se tivesse falado a coisa certa. A Ananda real era apenas o resultado de um monte de erros empilhados.
Alguns anos depois eu percebi que ainda tenho esse mesmo problema de idealizar outras possibilidades, de auto-sabotar minhas decisões. Você escolheu baunilha, ew, chocolate teria sido melhor. E isso pode ter funcionado quando eu tinha, sabe, 11 anos.
Porque as minhas decisões não são as melhores. Na verdade, as vezes elas são bem ruinzinhas. E eu ainda estou aprendendo a lidar com a Ananda-Ananda. Mas acho que parte de crescer é não culpar os seus problemas em uma garota de 11 anos que um dia te chamou para passar a tarde na casa dela.
E whatever, ela poderia ter sido a garota mais chata de todas.
Oi Ananda, que bom que vice voltou a escrever no blog!
ResponderEliminarQuanto ao texto : Você se arrepende de não ter conhecido aquela menina? Bom, lembre-se que sempre restará o consolo de imaginar que ela era uma chata peçonhenta.Essa é a vantagem dos não-acontecimentos.Ponto para eles. Arrependo-me muito mais pelas ocasiões em que tentei ‘viver a vida’, como se diz. Invariavelmente arrependia-me, no segundo seguinte, por ter tentado, mas já era tarde demais. Minha política agora é limitar o contato visual. Assim, não crio expectativas. Não tento. Não me arrependo por não ter tentado. E, o mais importante, convenço-me de que não me arrependi. Estou tão destreinado a fazer contato visual que meus olhos estão desacostumados a obedecer as mais simples regras de convivência, como fitar as pessoas nos olhos. Quando alguém se dirige a mim, meu olhar dirige-se, automaticamente, à sua testa ou ao pescoço. Pareço um maluco, é fato, mas fazer o que?
Ihh... já estou sentindo uma pontinha de arrependimento por ter enviado essa mensagem...
You are the top!
Saudações,
Adriano
Pensa pelo lado bom, a sua melhor influência não foi optativa, eu! :)
ResponderEliminar