Era mentira. Minha mãe não ligaria se demorasse mais um pouco. Eu não tinha nada para fazer. Ela foi embora e eu nem sei se lembrei do nome dela por mais de um dia. O que lembro é de ter repassado essa cena centenas de vezes na minha cabeça; de não conseguir entender o porquê de eu ter recusado. A garota passou a ser um símbolo do que poderia ter sido, de um futuro brilhante que perdi com uma só frase. Aquela tarde seria a melhor da minha vida. Ela teria me apresentado para todos seus amigos. Nós passaríamos tardes preguiçosas andando de bicicleta e tomando picolés. Conheceria o meu primeiro namorado. Teria o meu primeiro beijo embaixo de uma árvore. Eu seria outra Ananda, uma Ananda melhor. Até minha acne desapareceria.
Minha infância foi cheia desses momentos que, para a minha cabeça mezzo perturbada, definiram quem eu sou. Se tivesse cruzado a rua antes de me mudar ainda teria o mesmo grupo de amigas da quarta série. Estaria casada se tivesse beijado o garoto certo. Seria mais alta se tivesse ido para uma festa. Seria qualquer outra pessoa se tivesse falado a coisa certa. A Ananda real era apenas o resultado de um monte de erros empilhados.
Alguns anos depois eu percebi que ainda tenho esse mesmo problema de idealizar outras possibilidades, de auto-sabotar minhas decisões. Você escolheu baunilha, ew, chocolate teria sido melhor. E isso pode ter funcionado quando eu tinha, sabe, 11 anos.
Porque as minhas decisões não são as melhores. Na verdade, as vezes elas são bem ruinzinhas. E eu ainda estou aprendendo a lidar com a Ananda-Ananda. Mas acho que parte de crescer é não culpar os seus problemas em uma garota de 11 anos que um dia te chamou para passar a tarde na casa dela.
E whatever, ela poderia ter sido a garota mais chata de todas.